EM MINHA VIDA NÃO CABE ESTAGNAÇÃO. GOSTO DE COISAS NOVAS, TRANSFORMAÇÕES E MUDAR DE IDÉIA.

... Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre. Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração! Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente! Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra SEMPRE! (Clarice Lispector)









Buscando melhorar sempre

Buscando melhorar sempre

POESIA

BERTOLD BRECHT


Há homens que lutam um dia, e são bons
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis
Do rio que tudo arrasta se diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem
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O Vosso tanque General, é um carro forte
Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar

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Perguntas de um Operário Letrado
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu

Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Indias sozinho?

César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos. Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria, quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas
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Elogio da Dialéctica

A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo
mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nòs queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca

O que é seguro não é seguro

As coisas não continuarão a ser como são

Depois de falarem os dominantes

Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca

De quem depende que a opressão prossiga? De nòs

De quem depende que ela acabe? Também de nòs
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aì que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
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Carlos Drummond de Andrade

(Itabira do Mato Dentro [Itabira] MG, 1902 - Rio de Janeiro RJ, 1987) formou-se em Farmácia, em 1925;
Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996). Morreu em 17/08/1987 . Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX.

As sem razões do amor
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Amor e seu tempo
Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,

leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

O amor antigo
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o amor antigo, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.


Poema que Aconteceu
Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.
A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.


Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

"É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!
Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo."

Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Já não me importo
Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar
Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei
Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,
Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou
Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.
E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz
O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesqueciveis,coisas inexplicaveis e pessoas incomparaveis.
( não se comprovou ainda se esse pensamento que atribuem à F. Pessoa realmente lhe pertence).
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CATULO DA PAIXÃO CEARENSE
Catulo da Paixão Cearense (São Luís do Maranhão, 8 de outubro de 1863 — Rio de Janeiro, 10 de maio de 1946) foi um poeta, músico e compositor brasileiro. Filho de Amâncio José Paixão Cearense (natural do Ceará) e Maria Celestina Braga (natural do Maranhão).
Com 10 anos mudou-se com a família para o interior do Ceará. Em 1880, quando contava 17 anos, sua família mudou-se para o Rio de Janeiro indo residir à Rua São Clemente, 37, onde passaria a funcionar a relojoaria e ourivesaria de seu pai. No Rio de Janeiro, começou a freqüentar uma República de Estudantes na Rua do Barroso, em Copacabana, da qual faziam parte os flautistas Joaquim Calado e Viriato, o estudante de música Anacleto de Medeiros, o violonista Quincas Laranjeiras, o cantor Cadete e um estudante de Medicina que o ensinou a tocar violão, fazendo com que abandonasse a antiga paixão pela flauta. Era autodidata. Aprendeu português e matemática e, posteriormente, o francês, chegando a fazer traduções de poetas franceses famosos na época como Lamartine.
Integrado nos meios boêmicos da cidade, associou-se ao livreiro Pedro da Silva Quaresma, proprietário da Livraria do Povo, que passou a editar em folhetos de cordel o repertório de modinhas da época.
A sua casinhola em Engenho de Dentro, afundada no meio do mato era histórica. Alí recebia seus admiradores, escritores estrangeiros, acadêmicos nacionais, sempre com banquetes de feijoada e o champagne nunca substituía o paratí, por mais ilustre que fosse o visitante.
As paredes divisórias eram lençóis e sempre que previa a presença de pessoas importantes, dizia para a mulata transformada em dona de casa. "Cabocla , lave as paredes amanhã, que Domingo vem gente!"

Sua primeira modinha famosa "Ao Luar" foi composta em 1880.
Catulo morreu aos 83 anos de idade, em 10 de maio de 1946,a rua Francisco Meyer nº 78, casa 2. Seu corpo foi embalsamado e exposto a visitação pública até 13 de maio, quando desceu a sepultura no cemitério São Francisco de Paula, no Largo do Catumbí, ao som de "Luar do Sertão".

SUAS OBRAS:
Canções musicadas :

- Luar do Sertão

- Choros ao Violão

- Trovas e Canções

- Cancioneiro Popular

- A Canção do Africano

- O Vagabundo

- Etc...

Livros de Poemas:
- Meu Sertão
- Sertão em Flor

- Poemas Bravios

- Mata Iluminada

- Poemas Escolhidos

- O Milagre de São João

- Etc....

Obras teatrais:
- O Marroeiro

- Flor da Santidade

- E o clássico "Um Boêmio no Céu".

Abaixo, versos  que estão no livro Poemas Escolhidos
"Apois, os cabelo dela
tão preto prô chão caía,
que toda a frô que butava
nos cabelo, a frô murchava,
pensando que anoiticia!!! " (de "O Marrueiro")

"Quando avistei a cabôca,
quage chorei de verdade !
Ai, meu Deus, cumo é bunita
a morte duma sôdade !!
E o que é, meu Deus, a Sôdade?
Sôdade é a Terra Caída
de um coração, que sonhou! " (de "Terra Caída")

"E eu te digo, Zé Mingau,
que a dô é cumo o relâmpo,
que assusta a gente no iscuro,
mas alumêia os caminho" (de "Descantes Sertanejos A Dor e a Alegria")

"Como um boi velho, cansado,
pacientemente a remoer,
que o capim verde, que come,
torna outra vez a comer,
hoje, velho, relembrando
minha alegre juventude,
tudo quanto ja fruí,
como o boi, vou ruminando
o meu Passado saudoso,
que foi, em tempo ditoso,
o capim "verde" e cheiroso,
que quando moço, eu comi !
Mas, às vezes, a Saudade
acorda-me a Mocidade
com tanta exasperação,
que eu abro as duas porteiras
dos olhos, meu bom patrão,
e deixo que, atropelada,
saia, só numa arrancada,
toda a boiada das lágrimas
do curral do coração" (de "Saudade")

"Um azulão, tão azul
que até parece que tinha
manchado a pena das asas
numa nuvem lá do céu" (de "Madrugada Brasileira")

Resposta do Jeca Tatu
Eu sou o Jeca Tatu.
Vancê só sabe de lezes
Que se faz com as duas mão.
Mas porém num sabe as lezes
Da natureza, e que Deus
Fez pra nóis com o coração.

Vassuncê é um Senadô,
É um conseiêro, é um dotô,
É mais que um imperadô,
É o mais grande cirdadão
Mas porém eu lhe garanto
Que nada disso seria
Naquelas mata bravia
Das terra do meu sertão.

A miséra, sêo doto
Também a gente consola.
O orguio é que mata a gente.
Vancê qué ser Presidente ...
E eu sou quero ser rocêro
E tocadô de viola

Vancê tem todo o direito
De ganhá cém mir pru dia
Pra mió podê fala.
Mas porém o que num póde
É a inguinorância insurtá.
A gente, sêo conseiêro
Tá cansada de esperá.

Vancê diz que a gente véve
Com a mão no queixo, assentado
Sem fazê causo das coisa
Que vancê diz no senado.
E vassuncê tem razão.
Se nóis tudo é anarfabéto,
Cumé que a gente vai lê
Toda aquela falação ?

Preguiçoso ? madracêro ?
Não sinhô, sêo conseiêro.
É pruquê vancê num sabe
O que seje um boiadêro
Criá cum tanto cuidado
Cum tanto amô e alegria
Umas cabeça de gado
E despois , a impedemia
Carregá tudo com os diabo
Em meno de quatro dia.

É pruquê vancê num sabe
O trabaio desgraçado
Qui um homi tem , sêo doto
Pra incoivará um roçado,
E quando o ouro do mio
Vai ficando embonecado
Pra gente entônce coiê...
O mio morre de sede
Pulo sor esturricado
Sequinho cumo vancê.

É pruquê vancê num sabe
Quanto é duro um pai sofrê
Vendo seu fio crescendo
Dizendo sempre...papai,
Vem me ensina o A B C.

Pru móde a politicáia
Vancê qué que um homi sáia
Do sertão pra vim votá
Em Juaquim, Pedro ou Francisco
Quando vem a ser tudo iguá.

Vancê tem um casarão
Tem um jardim, uma chaca
Tem criado de casaca
E ganha tudos os dia
Quer chova quer faça sor,
Só pra falá...cem mir réis..
Eu trabáio o ano inteiro
Somente quando Deus qué
Eu vivo do meu roçado
Me esfarfano cumo um burro
Pra sustentá oito fio,
Minha mãe minha muié.

Eu drumo im riba de um couro
Numa casa de sapé.
Vancê tem seu otromóve,
Eu pra vim no povoado
Ando dez légua de pé.

O sór teve tão ardente
Lá pras banda do sertão
Que em mêno de quinze dia
Perdi toda a criação.
Na semana retrasada
O vento tanto ventô,
Que a páia que cobre a chóça
Foi pulos mato...avuô.

Minha muié ta morrendo
Só por farta de mézinha...
E pru farta de um dotô.
Minha fia que é bonita
Bunita cumo uma frô..
Sêo dotô.. num sabe lê..
E o Juquinha que ainda tá
Cherando memo a cuêro
E já ponteia a viola,
Se entrasse lá pruma escola
Sabia mais que vancê.

Preguiçoso ? Madracêro ?
Não sinhô sêo conseiêro..
Vancê diga aos cumpanhêro
Que um cabra, o Zé das caboca
Anda cantando estes versos
Que hoje lá no sertão
Avôa de boca im boca.

(canta) Eu prantei a minha roça
o tatu tudo comeu
prante roça quem quizé
que o tatu hoje sou eu..

Vassuncê sabe onde tá
O buraco adônde véve
O tatú esfomeado ?
Tá nos palaço da corte,
Dessa porção de ricaço
Que fez aquele palaço
Cum o sangue dos desgraçado.

Vancêis tem rio de açude
Tem os dotô da hingena
Que é pra cuidá da saúde...
E nóis, o que é que tem ?
Arresponda ?
No tempo das inleição
Que é o tempo das bandaiêra
Nóis só tem uma cangáia
Pra levá toda a porquêra
Dos dotô puliticáia.

Vancê qué ser presidente ?
Apois seja, meu patrão.
A nossa terra, o Brasí
Já tem muita intiligência,
Muito homi de sabença
Que só dá pra espertaião.
Leva o diabo a falação.
Pra sarvá o mundo inteiro
Abasta ter coração.

Prôs homi de intiligência
Trago cumigo esta figa
---Esses homi tem cabeça,
mas porém o que é mais grande
do que a cabeça ..é a barriga.
Sêo conseiêro...um consêio.
Dêxe toda a birbotéca
Dos livro...e se um dia vancê quizé
Passá uns dia de fome
De fome e tarveis de sede,
E drumí lá numa rêde
Numa casa de sapé,
Vá passá comigo uns tempo
Nos mato do meu sertão,
Que eu hei de lhe abrir as porta
Da choça e do coração.
Eu vorto pros matagá,
Mas porém oiça premero:
Vancê pode

Luar do Sertão
Oh, que saudade do luar da minha terra
lá na serra, branquejando folhas secas pelo chão!
Este luar, cá da cidade, tão escuro,
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão.
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
Se a lua nasce por detrás da verde mata,
mais parece um sol de prata, prateando a solidão!
E a gente pega na viola que ponteia,
e a canção é a lua cheia, a nos nascer do coração!
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
Quando, vermelha no sertão, desponta a lua,
dentro d'alma, onde flutua, também, rubra, nasce a dor!
E a lua sobe... E o sangue muda em claridade!...
E a nossa dor muda em saudade... branca... assim da mesma cor!!!
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
Ai quem me dera que eu morresse lá na serra,
Abraçado a minha terra, e dormindo de uma vez!
Ser enterrado numa grota pequenina,
onde a tarde, a sururina chora a sua viuvez!
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
Diz uma trova, que o sertão todo conhece,
que, se à noite o céu floresce, nos encanta e no seduz,
é porque rouba dos sertões as flores belas
com que faz essas estrelas lá do seu jardim de luz!!!
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
Mas como é lindo ver depois, por entre o mato
deslizar, calmo, o regato, transparente como um véu,
no leito azul das suas águas, murmurando,
ir, por sua vez roubando, as estrelas lá do céu!!!
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
A gente fria desta terra, sem poesia,
não se importa com esta lua, nem faz caso do luar!
Enquanto a onça, lá na verde capoeira,
leva uma hora inteira, vendo a lua, a meditar!
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
Coisa mais bela neste mundo não existe,
do que ouvir um galo triste, no sertão se faz luar!!!
Parece até que a alma da lua é que descanta,
escondida na garganta desse galo, a soluçar!
Não há, ó gente, oh não
luar, como esse do sertão (bis)
Se Deus me ouvisse com amor e caridade,
me faria esta vontade, - o ideal do coração!
Era que a morte a descantar, me surpreendesse,
e eu morresse numa noite de luar, no meu sertão!
Não há, ó gente, oh não ...

Chico Viola
Deus não anda na cidade.
Os dotô que véve sempre
nos livro a pesquisá,
nas fôia morta dos livro
nunca Deus há de encontrá.
Se vancê aí num é incréu,
e qué devéra sabê,
qué sabê Deus onde tá..
Não percure essa Criatura
nem nas igreja dos padre,
nem nos livro, nem no céu.
Sabe adonde é que Deus tá ?
Deus canta pelo biquinho
saudoso dum sabiá.
Deus anda cherando os mato
pru dentro dos capoerão.
Anda zanzando de noite
com a lua lá do sertão.
Ele canta enrodiado
no coração dum caboco
gemendo num desafio.
Ele véve nas froresta..
no meio das mata virge
tomando banho nos rio.
O vento, derruba um casa
num bofetão..né ?
Mas porém num tem um ente
que andando pelas fechado
das terra La do sertão,
Visse uma vez, sêo dotô,
a casa dum passarinho
que o vento jogou no chão.
É pru que Deus,
que é mais grande
que o céu e a terra,
e se esconde na ponta fina
dum espinho...
em noite de ventania
na da pulas mataria
atrepado pulas arve
pra segurança dos ninho.
Deus, num anda na cidade.
Deus é o ente que mais sofre
Pru que Ele é o Pai da sodade.
Deus é Deus pru que é mistéro
Deus num lê...
Deus num escreve.
Vancê creia que Deus passa
pela ciência dos homi,
como o sor passa nas nuvem
pru riba dum cemitéro.
Deus um Sábio anarfabeto.
E quando Deus qué se ri,
se mete dentro dos óio
duma muié..pra feri.
Pru sabe que a muié,
Ferindo memo consola.
Mas porém quando o sinhô
tá triste...tá com sodade
da Santa virge Maria,
Deus Nosso Sinhô se esconde
nas corda duma viola,
pra chorá memo á vontade
a sua malincunia.
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CORA CORALINA
Cora Coralina se chamava Ana Lins dos Guimarães Peixoto, estudou Letras e já com 14 anos, começou a escrever seus primeiros contos e poemas.

Alguns memoráveis livros: O Tesouro da Casa Velha, As Cocadas, A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu , Estórias da Casa Velha da Ponte, Meninos Verdes, Meu Livro de Cordel, Vintém de Cobre,  Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais.


Poesias de Cora:

Saber Viver
Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar

Humildade
Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.
Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

Poeminha Amoroso
Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu...
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu...
E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar
ou numa cesta de flores do campo.
Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.
Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo...
eu te amo, perdoa-me, eu te amo..."
 
Assim eu vejo a vida
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

O Cântico da Terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos


Pensamentos e frases
Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores.

Versos… não. Poesia… não. Um modo diferente de contar velhas histórias.



Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos

Acredito nos jovens à procura de caminhos novos abrindo espaços largos na vida. Creio na superação das incertezas deste fim de século.
Renovadora e reveladora do mundo. A humanidade se renova no teu ventre. Cria teus filhos, não os entregues à creche. Creche é fria, impessoal. Nunca será um lar para teu filho. Ele, pequenino, precisa de ti. Não o desligues da tua força maternal.
 
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.



O saber a gente aprende com os mestres e com os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes.


Era um bolo econômico, como tudo, antigamente. Pesado, grosso, pastoso.

Criança periférica, rejeitada. Teu mundo é o submundo.
O que importa na vida não é o ponto de partida, mas a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher!


Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida.

Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade.
Estamos todos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo.
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FERNANDO PESSOA
Escritor português, nasceu a 13 de Junho, numa casa do Largo de São Carlos, em Lisboa.  Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse país entre 1895 e 1905.  De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por um período breve (1906-1907), o Curso Superior de Letras.
Em 1920, iniciou uma relação sentimental com Ophélia Queiroz, terminando em 1929,  testemunhada pelas Cartas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David Mourão-Ferreira, e editadas em 1978.
1924 - Surge a Revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
1925 - Morre sua mãe
1926 - Fernando Pessoa requere patente de invenção de um Anuário Indicador Sintético, por Nomes e Outras Classificações, Consultável em Qualquer Língua. Dirige, com seu cunhado, a Revista de Comércio e Contabilidade.
1927 - Passa a colaborar com a Revista "Presença".
1934 - Aparece "Mensagem", seu único livro publicado.
1935 - 30 de novembro de Morre em Lisboa, aos 47 anos,  no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo consumo excessivo de álcool.

O AMOR
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de *dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

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Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,

E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
*******
Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!
*******
Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Ser feliz é encontrar força no perdão, esperanças nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da vida.


AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
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Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.
Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa
Se esquece quem lá está.
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POEMA EM LINHA RETA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Poema extraído do livro "O EU PROFUNDO E OS OUTROS EUS", Fernando Pessoa, antologia poética, editora Nova Fronteira)

Tenho tanto sentimento
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar
 
(Trecho extraído da poesia "Passagem das Horas")

"...Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir...
Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
Só estou bem quando ouço música, e nem então.
Jardins do século dezoito antes de 89,
Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?

Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.
Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...
Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo..."

O QUE HÁ
O que há em mim é sobretudo cansaço –
Não disto nem daquilo,
Nem se quer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo.
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém.
Essas coisas todas –
Essas e o que falta nelas eternamente – :
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvidas quem ame o infinito,
Há sem dúvidas quem deseje o impossível,
Há sem dúvidas quem não queira nada –
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos  (Heterônimo de Fernando Pessoa)
(09-10-1934)

Conclusão sobre o poema "O QUE HÁ"

Ao observar o poema como um todo, percebe-se a aproximação do “eu-lírico” e a segunda fase do próprio Álvaro de Campos ao exaltar o tédio/ cansaço do homem moderno. Além disso, por ser o mais Modernista dos heterônimos de Fernando Pessoa, apresenta características como a utilização de versos livres e soltos, a distinção de versos por estrofe e a aproximação da linguagem oral através do uso de repetições.
(http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/404893)


Tudo que faço ou medito
Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúdica e rica,
E eu sou um mar de sargaço —

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem
 
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
 
Caminho a teu lado mudo
Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado...
Perguntas: Sim... Não... Não sei...
Tenho saudades de tudo...
Até, porque está passado,
Do próprio mal que passei.

Sim, hoje é um dia feliz.
Será, não será, por certo
Num princípio não sei que
Há um sentido que me diz
Que isto — o céu longe e nós perto
É só a sombra do que é...

E lembro-me em meia-amargura
Do passado, do distante,
E tudo me é solidão...
Que fui nessa morte escura?
Quem sou neste morto instante?
Não perguntes... Tudo é vão.

ESTOU CANSADO
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
 
O SONO
O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono!...
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FLORBELA ESPANCA
Poetisa portuguesa, natural de Vila Viçosa (Alentejo). Nasceu filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antónia da Conceição Lobo, (criada) morrendo com apenas 36 anos, «de uma doença designada na certidão de óbito como nevrose. Estudou no liceu de Évora, o Curso dos Liceus e matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 1919, publicando a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas. Em 1923, publicou o Livro de Sóror Saudade.

Postumamente foram publicadas as obras Charneca em Flor (1930), Cartas de Florbela Espanca, por Guido Battelli (1930), Juvenília (1930), As Marcas do Destino (1931, contos), Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949) e Diário do Último Ano Seguido De Um Poema Sem Título (1981). O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro, várias vezes anunciado (1931, 1967), seria publicado em 1982.

Amar
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...»

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Aqueles que me têm muito amor
Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!
Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!
E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

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CLARICE LISPECTOR
Clarice Lispector (Tchetchelnik Ucrânia 1925 - Rio de Janeiro RJ 1977) passou a infância em Recife e em 1937 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em direito. Estreou na literatura ainda muito jovem com o romance Perto do Coração Selvagem (1943), que teve calorosa acolhida da crítica e recebeu o Prêmio Graça Aranha. Entre suas obras mais importantes estão as reuniões de contos A Legião Estrangeira (1964) e Laços de Família (1972) e os romances A Paixão Segundo G.H. (1964) e A Hora da Estrela (1977). Clarice Lispector trabalhou na imprensa em 1942, na Agência Nacional, nos jornais A Noite e Diário da Noite, foi colunista do Correio da Manhã, realizou diversas entrevistas para a revista Manchete e foi cronista do Jornal do Brasil. Produzidos entre 1967 e 1973, esses textos estão reunidos no volume A Descoberta do Mundo.

PRECISÃO
O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

MEU DEUS, ME DÊ A CORAGEM
Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.
Ti em êxtase.

MAS HÁ A VIDA
Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

DÁ-ME A TUA MÃO
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
– nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
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CECILIA MEIRELLES










TU TENS UM MEDO
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.

Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
Poema ''Marcha'', original de Cecília Meireles:
''Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Soltam-se meus dedos tristes
dos sonhos claros que invento
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento
Gosto da minha palavra pelo sabor que me deste
Mesmo quando é linda, amarga
Como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga, é tudo que tenho
entre o sol e o vento.
Meu vestido, minha música,
meu sonho, meu alimento.''

Canteiros  (letra cantada por Raimundo Fagner baseada no poema Marcha)
Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento
Pode ser até manhã
Sendo claro, feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza ...
E deixemos de coisa, cuidemos da vida
Senão chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida
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FERREIRA GULLAR

1930 - No dia 10 de setembro, nasce o poeta Ferreira Gullar, em São Luís, Maranhão. Seu nome, na verdade, é José Ribamar Ferreira, o quarto dos 11 filhos de Alzira Ribeiro Goulart e do comerciante Newton Ferreira.











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VIVÍCIUS DE MORAES



EU SEI E VOCÊ SABE
Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham a você.
Assim como o Oceano, só é belo com o luar
Assim como a Canção, só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor, não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você!


AUSÊNCIA
Eu deixarei que morra
em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

PROCURA-SE UM AMIGO
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

SONETO DE FIDELIDADE
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Que vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

SONETO DO AMOR TOTAL
Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
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PABLO NERUDA

Nasceu em 12 de julho de 1904, na cidade de Parral (Chile). Seu nome era verdadeiro era Neftalí Ricardo Reyes Basoalto. Perdeu a mãe no momento do nascimento. O pseudônimo de Pablo Neruda foi homenagem ao poeta tcheco Jan Neruda e ao francês Paul Verlaine.


Não te quero senão porque te quero
Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,

Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.
Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.
Tu eras também uma pequena folha
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

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MÁRIO QUINTANA

Mario de Miranda Quintana nasceu prematuramente na noite de 30 de julho de 1906, na cidade de Alegrete, situada na fronteira oeste do Rio Grande do Sul e morreu aos 88 anos, em 5 de maio de 1994.







Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las.
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!
...Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importante para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos
todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer o que tem de ser dito...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas
as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação.

O tempo
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.
Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e ... os amigos, que são os nossos chatos prediletos.


A Rua dos Cataventos
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
A Verdadeira Arte de Viajar
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!

AH! OS RELÓGIOS
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

PROJETO DE PREFÁCIO
Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

RECORDO AINDA
Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

O MORTO
Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!
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LUÍS DE CAMÕES
Sabe-se que o maior poeta português, Luís Vaz de Camões, nasceu provavelmente em Lisboa (Portugal), por volta de 1524 e pertenceu a uma família da pequena nobreza, de origem galega.
Este poeta do classicismo português possui obras que o coloca a altura dos grandes poetas do mundo. Seu poema épico Os Lusíadas divide-se em dez cantos repartidos em oitavas. Esta epopéia tem como tema os feitos dos portugueses: suas guerras e navegações.
Dono de um estilo de vida boêmio, este escritor lusitano foi freqüentador da Corte, viajou para o Oriente, esteve preso, passou por um naufrágio, foi também processado e terminou em miséria. Seus últimos anos de vida foram na mais completa pobreza.

Obras de Camões


1572- Os Lusíadas

Lírica
1595 - Amor é fogo que arde sem se ver
1595 - Eu cantarei o amor tão docemente
1595 - Verdes são os campos
1595 - Que me quereis, perpétuas saudades?
1595 - Sobolos rios que vão
1595 - Transforma-se o amador na cousa amada
1595 - Sete anos de pastor Jacob servia
1595 - Alma minha gentil, que te partiste
1595 - Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
1595 - Quem diz que Amor é falso ou enganoso

Teatro
1587 - El-Rei Seleuco.
1587 - Auto de Filodemo.
1587 - Anfitriões


Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Verdes são os campos
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Amor, que o gesto humano na alma escreve
Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faíscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.
A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.
Jura Amor que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que é verdade.
Olhai como Amor gera, num momento
De lágrimas de honesta piedade,
Lágrimas de imortal contentamento.

 
O fogo que na branda cera ardia
O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil que na alma vejo.
Se acendeu de outro fogo do desejo,
Por alcançar a luz que vence o dia.
Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.
Ditosa aquela flama, que se atreve
Apagar seus ardores e tormentos
Na vista do que o mundo tremer deve!
Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela nave
Que queima corações e pensamentos.


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RUBEM ALVES

Rubem Alves nasceu em 15 de setembro de 1933, em Boa Esperança, Minas. A família midou para o Rio em 1945, onde colegas zombavam do seu sotaque. Buscou refúgio na religião. Teve aulas de piano. Estudou Teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas (SP) e iniciou carreira como pastor. Teve três filhos.

Mestre em Teologia pelo Union Theological Seminary, de Nova York, com o golpe militar de 1964, perseguido como subversivo, abandona a Igreja Presbiteriana e volta aos Estados Unidos.
Torna-se doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary. Considera a tese de doutoramento, Uma Teologia de Esperança Humana (1969, Corpus Books) e foi “um dois primeiros brotos” da Teologia da Libertação. Volta para o Brasil e em 1973 vai para a Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, onde hoje é Professor Emérito. Fez-se psicanalista.

"Cartas de amor são escritas não para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem ao tocarem a mesma folha de papel".
“É mais fácil amar o retrato. Eu já disse que o que se ama é a ‘cena’. ‘Cena’ é um quadro belo e comovente que existe na alma antes de qualquer experiência amorosa. A busca amorosa é a busca da pessoa que, se achada, irá completar a cena. Antes de te conhecer eu já te amava.... E então, inesperadamente, nos encontramos com rosto que já conhecíamos antes de o conhecer. E somos então possuídos pela certeza absoluta de haver encontrado o que procurávamos. A cena está completa. Estamos apaixonados”

O tempo e as jabuticabas
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral ou semelhante bobagem, seja ela qual for.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena. Basta o essencial!

CONCERTO PARA CORPO E ALMA
Compreendi, então,
que a vida não é uma sonata que,
para realizar a sua beleza,
tem de ser tocada até o fim.
Dei-me conta, ao contrário,
de que a vida é um álbum de mini-sonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado,
por efêmero que seja,
é uma experiência completa
que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor
justifica a vida inteira.

O QUE EU MAIS GOSTO DO RUBEM ALVES:

Quando ele fala sobre sua mãe e a música:
"...Minha mãe falava pouco, muito pouco. Nós nos comunicávamos pela música. Ela ficava assentada, ouvindo, sem nada dizer, enquanto eu estudava a sonata de Chopin.
Há músicas que a gente ouve e gosta imediatamente. Sua beleza está no jardim de entrada. Ouvindo estas músicas a gente tem uma experiência imediata de comunhão: todos são igualmente comovidos. A música clássica é diferente. Sua beleza não se encontra no jardim de entrada mas num quarto fechado à chave. Quem não tem a chave não entra. A beleza da música clássica precisa ser aprendida paciente e disciplinadamente. Quem aprendeu tem a chave: entra no quarto e tem a experiência da beleza. Quem não aprendeu fica de fora e não percebe nada. Por isso a música clássica pode produzir uma dolorosa solidão" O mundo de minha mãe se abre para dentro, onde se encontram a alegria e uma comunhão difícil que beira à solidão".

NOTA: * Interessante é que só quem realmente ama o clássico percebe esse algo que o difere do resto, te deixando uma estranha e gostosa e especial sensação de isolamento. P/ Wal.

Quando ele fala sobre um quarto misterioso que só vivia fechado no sobradão do avô:
"Acho que meu fascínio pelo quarto do mistério se deveu ao fato de que, por dentro, eu sou como ele. Minha alma é um quarto onde os objetos mais estranhos estão colocados, um ao lado do outro, sem ordem, sem nenhuma intenção de fazer sentido. Por oposição à sala, onde cada objeto está colocado numa ordem precisa em relação aos outros, no quartão do mistério não há ordem, não há arranjo: cada objeto é um universo completo, não depende dos outros. E está explicada a razão para a minha profissão de psicanalista: é que cada pessoa, com sua sala de visitas limpa e ordenada, aberta à visitação geral, tem um fascinante quarto de mistério onde só se penetra roubando a chave. Minha profissão é roubar chaves... E até mandei gravar em madeira as palavras de um verso de Drummond: "Trouxeste a chave?"
"Alguns analistas há que pensam como as minhas tias: acham que o quarto proibido está cheio de coisas terríveis, restos de naufrágios, corpos esquartejados detritos, excrementos, fedores. E é isso que encontram, pois a gente só encontra o que está buscando. Mas, para mim, menino naquele lugar proibido, as coisas terríveis são apenas molduras para coisas encantadas, imobilizadas em sono, fora do tempo, como a Bela Adormecida, em meio ao pó, às teias de aranha, às heras e plantas selvagens, à espera de alguém que dará o beijo que quebrará o feitiço..."

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